As mudanças atuais relacionadas à globalização da economia e à expansão das tecnologias da informação e da comunicação interferem significativamente na concepção do conhecimento escolar e, acima de tudo, no que o indivíduo precisa saber para interpretar o que está à sua volta e relacionar-se com o mundo.
O que deve ser aprendido?
Como se aprende e como se utiliza o conhecimento?
Qual o verdadeiro papel da educação na construção social e na construção dos saberes?
Obter respostas para essas e outras perguntas, e criar condições para atender às demandas dos novos tempos foram preocupações propulsoras de reformas de ensino levadas a efeito em diversos países, tais como: Canadá, Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha, Espanha e Suíça e Brasil na década de 1990.
A Conferência de 1990, que ocorreu em Jomtien na Tailândia, onde foi elaborada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos representou, de certa forma, um marco neste movimento de renovação. Discutia-se que, apesar de o mundo ter passado por profundas transformações, os processos educativos continuavam calcados na memorização de conteúdos e na prática exaustiva de exercícios; havia, portanto, necessidade de se operar uma mudança estrutural. Os novos rumos da sociedade não poderiam deixar de ser acompanhados pela Educação, cabendo aos educadores questionar a tradicional idéia de “ensinar conteúdos” e vislumbrar caminhos mais condizentes com o modelo de sociedade que então se instalara. Nessa perspectiva, o foco encontra-se na necessidade de reverter uma visão compartimentada do conhecimento de modo a atender à complexidade do mundo atual, abrindo espaço para o surgindo de conceitos como multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, transversalidade, entre outros, que apareceram com força no final da década de 80 acompanhando o momento de mudanças curriculares e metodológicas . Isso veio inspirar novas práticas pedagógicas na Escola, e a inserção da abordagem para competências, assim como a de projetos interdisciplinares, além dos temas transversais na proposta curricular de inúmeros países.
Os anos 90 constituíram um período em que se fez uma profunda reflexão sobre a educação; o propósito de repensar e discutir sobre o ensino e a aprendizagem fez parte da agenda educacional em diferentes partes do mundo. No Brasil, esse movimento está representado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 - e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, que fundamentam a Reforma Educacional Brasileira. Os Parâmetros Curriculares apresentam uma proposta de organização curricular baseada em competências, em noções de flexibilidade, diversidade, contextualização e temas transversais, assim como preconizam o princípio da autonomia intelectual e o pensamento crítico. Os quatro princípios propostos pela Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI (UNESCO) – aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser – foram incorporados às diretrizes da Lei 9.394/96. A formação escolar supera a simples transmissão de conhecimentos e cultura e propõe a construção de saberes em situações reais de aprendizagem, sendo a educação vista como processo e não como produto.
A organização curricular é vista na Lei como instrumento de cidadania e democratização do ensino, abrindo espaço para propostas inovadoras que aproximem o currículo da realidade do aluno, acreditando em suaaprendizagem permanente e no desenvolvimento do seu espírito investigativo.
Nota-se, também, que a preocupação com a aprendizagem permanente aparece com acentuada relevância nas diretrizes propostas: “desenvolvimento das competências para continuar aprendendo de forma autônoma e crítica, em níveis mais complexos de estudo ... o aprender a aprender como competência fundamental” (PCNEM, p.23).
Tal norteamento, introduzido na reforma, desafia os educadores a fazer uma intensa reflexão sobre sua prática pedagógica, onde, em lugar do primado dos conteúdos específicos, deve-se dirigir esforços no sentido de desenvolver a capacidade do aluno para aprender e promover o intercâmbio entre a teoria e a prática.
O fenômeno da mundialização exerceu grande influência nessas novas diretrizes por estabelecer o elo entre diferentes pontos do planeta; nada acontece sem que os meios de comunicação se encarreguem de difundir. Informações sobre hábitos, pensamentos, ações do homem e descobertas científicas tornam-se disponíveis, minimizando as dimensões do espaço mundial.
Essa ampliação das comunicações disponibiliza ao jovem aprendiz do século XXI, uma grande quantidade de informações, entretanto, é preciso que ele saiba gerenciá-las. A Educação assume, assim, a tarefa de orientá-lo de modo que possa transformar informação em conhecimento.
Espera-se na sociedade contemporânea que o indivíduo não somente domine os procedimentos de acesso à informação, mas igualmente os de análise, interpretação, avaliação e seleção de dados, ficando sob a responsabilidade da Escola a missão de dar condições ao estudante para desenvolver as capacidades indispensáveis à sua ação no mundo.
Em meio a tal oceano de informações, espera-se que a escola ajude o jovem a desenvolver capacidades relacionadas às novas perspectivas da aprendizagem, consciente de que esta não acontece apenas por meio da consulta a livros, jornais, e/ou no espaço restrito da sala de aula. Manter o espírito crítico nesse processo é essencial, assim como saber selecionar a informação que possa ser de interesse, relacionar dados, contextualizá-los, levantar hipóteses e estabelecer novas questões. A escola não é mais a única responsável pela entrega do saber, nem tampouco o professor pode ser considerado como seu único veículotransmissor.
O desenvolvimento e a expansão da informação acabam por ampliar a gama de processos que intermedeiam a relação do homem com o mundo. Saber dar sentido à informação, enfrentar desafios, situações novas e muitas vezes adversas, tomar decisões, conviver com mudanças e incertezas são potenciais embutidos na capacidade de aprender. É grande, portanto, a responsabilidade da escola quanto à tarefa de proporcionar condições para o desenvolvimento de tais competências, mesmo porque, ela não pode ignorar as transformações da sociedade nem isolar-se, por estar nela inserida.
Atualmente, o que se espera da instituição escolar é muito mais do que preparar o aluno para concluir cursos e obter certificações, ingressar em níveis superiores de ensino e ser aprovado em concursos, como se após vencer esses obstáculos e atingir seu objetivo acabasse a necessidade de aprender.
Essa concepção de ensino não atende ao mundo onde o próprio conceito de trabalho se transforma, onde segurança e estabilidade não estão mais associadas a uma profissão ou ao diploma, mas, sim, à capacidade do indivíduo para continuar aprendendo e desenvolvendo competências, se reinventando.
Espera-se, assim, que o jovem receba na escola mais do que o conteúdo, sem entretanto prescindir dele, e desenvolva valores, atitudes e competências para continuar aprendendo em uma sociedade onde tudo pode ser mutável. Fácil é concluir que a formação curricular estática ou engessada em itens programáticos fixos mostra-se em descompasso com as novas exigências do quadro político-social. Nesses termos, a flexibilidade é indispensável tanto na organização do currículo escolar como na prática pedagógica, onde tomam-se por base interesses/conteúdos diversos e adotam-se procedimentos de pesquisa como eixo da aprendizagem.
As novas teorias educacionais enfatizam a importância do papel da investigação educativa e da atitude de pesquisa no contexto da aprendizagem contemporânea. São feitas indagações que, embora possam parecer recorrentes, se renovam ao sabor das mudanças sociais. Trabalhar com projetos pode, assim, significar uma resposta da escola às transformações da sociedade e a busca por uma perspectiva do “conhecimento globalizado e relacional” (HERNÁNDEZ e VENTURA, 1998, p.63).
O projeto, assim concebido, supera os limites das disciplinas, uma vez que os conteúdos de uma única matéria não são suficientes para responder ao tema em estudo. Na construção do projeto, as informações necessárias são aquelas que se relacionam com o que o aluno já conhece sobre o tema e com a informação por ele buscada dentro e fora da escola, a fim de adquirir novos saberes. A prática dos projetos favorece, assim, uma maneira significativa e autônoma de reconstruir e enriquecer o conhecimento.
A idéia de se trabalhar com projetos interdisciplinares, vale reafirmar, encontra-se dentro desse cenário, no qual a preocupação com o ensino significativo e associado à realidade do aluno passa a ser a chave para a construção do currículo. Isso fomenta um debate onde o aprimoramento de valores e atitudes associados à construção de competências em atividades de projeto, envolvendo toda a escola ou algumas disciplinas, se confronta com o currículo essencialmente centrado em conteúdos de aprendizagem.
O cerne dessa nova proposta reside em encontrar um ponto de equilíbrio entre os dois enfoques, estabelecendo um diálogo entre estes, através da prática reflexiva. Isso se corporifica quando professor e aluno utilizam o pensamento crítico e o conhecimento teórico e instrumental de pesquisa para gerir a informação, consultando fontes e selecionando conteúdos, em uma ação investigativa e autônoma, de modo a acompanhar as mudanças aceleradas que se processam no mundo atual.
O novo modelo preocupa-se com o que o indivíduo é capaz de fazer, sendo os currículos direcionados não somente aos conteúdos, mas também à construção de estratégias que incluam o aluno como sujeito social do sistema, dando-lhe a oportunidade de integrar-se a este através de experiências concretas. Essa é a idéia de mobilizar os saberes, ou melhor, os conteúdos curriculares, em situações reais do trabalho e da vida cotidiana.
A concepção de interdisciplinaridade se encontra também presente nos documentos que compõem a reforma brasileira, sendo entendida como uma prática pedagógica capaz de “relacionar as disciplinas em atividades ou projetos de estudo, pesquisa e ação” (Brasil. CNE/CEB. Parecer 15/98, p.39, citado por RAMOS, 2001, p.140). Outro vínculo com a abordagem de trabalho por projetos transparece na edição dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 5ª a 8ª séries, cujo título é Temas Transversais. A idéia apresentada nos PCNs é de organizar o currículo com vistas a fazer a articulação entre mais de uma área do conhecimento ou dentro de uma única área, possibilitando a compreensão dos diferentes elementos que compõem a realidade. O uso dos temas transversais pressupõe uma metodologia a ser implementada com o objetivo de atender a questões sociais, de caráter fundamental na construção da cidadania e motivadoras da participação dos alunos: “pretende-se que esses temas integrem as áreas convencionais de forma a estarem presentes em todas elas, relacionando-as às questões da atualidade e que sejam orientadoras também do convívio escolar” (PCNs, Temas Transversais,1998, p.27).
Esperamos que o tema da apresentação contribua para uma reflexão dos profissionais da Educação sobre o currículo e a prática pedagógica nos novos tempos e que se configure em mudanças positivas no processo ensino aprendizagem.
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