Não há como evitar, o tema se impõe: a generalizada aprovação do uso legítimo e competente da força pelo Estado para impor a ordem legal é a novidade do momento. O que se passou no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, com a união das forças do Estado no cumprimento da lei, e a reação da cidade, muda o curso de tudo a que estávamos nos habituando a ver.
O uso desregrado da força durante os anos do regime militar contribuiu para afastar os governos da época dos propósitos que declaravam perseguir e da população em geral. Na verdade, o abuso ilegítimo e ilegal da força do estado ia enfraquecendo o regime quanto mais ele se sentia forte ao praticá-lo. E assim se desfez - se desmanchou - aquele período.
E como herança deixou comprometido perante o país o uso da força - mesmo que legal, legítima e competentemente empregada. E iniciou-se uma era de contradições: as forças políticas e governantes em geral hesitavam e desconversavam sobre o tema. As forças da lei e da ordem, descoordenadas, a agir por conta própria e nem sempre dentro da lei, afastaram-se da sociedade que serviam. E nós, a sociedade, ficamos largados ao desamparo e já quase à desesperança.
Foi um longo e doloroso período de amadurecimento, em meio à dor e ao espanto. O seqüestro de um ônibus no Rio de Janeiro, cercado durante horas por policiais e altas autoridades estaduais, que acaba na morte da refém e no estrangulamento do seqüestrador dentro de um carro da polícia; o massacre de menores nas escadas da igreja da Candelária e inúmeros outros episódios semelhantes pelo país afora se acumulavam. E nada oferecia qualquer perspectiva de que algum dia as coisas mudassem. A morte gratuita, o roubo descarado, o convívio urbano do crime com a vida cotidiana se tornaram rotina banal.
E isso permeou a vida nacional, talvez mais num ponto que em outro, certamente de formas e razões diferentes na ação, nos objetivos, nos instrumentos. Mas estávamos todos imersos nesse caldo.
Essa terá sido talvez a mais duradoura conseqüência daqueles tempos difíceis do regime militar. E certamente não ficou limitada ao crime que causa mais sensação: ao longo do tempo, espraiou-se. A tibieza na observância da lei e na aplicação de seu poder em toda extensão estendeu-se a outros patamares, e a permissividade foi perdendo limites.
Não foram tempos muito educativos. Nem deixaram bons exemplos, nem boas lições de alto a baixo. O que se pode esperar é que a lição dada pela população do Complexo do Alemão, da cidade e do Estado do Rio de Janeiro não se perca e marque o fim do período em que, dependendo de quem se trata ou de onde mora, seja o criminoso pequeno ou grande, o crime posse ser desconsiderado ou passar impune.
Em resumo: tudo isso é muito pedagógico... Que prossiga o processo. Queremos saber mais.
Edgar Flexa Ribeiro
Presidente