A comemoração dos 85 anos de fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE) é uma data que tem, hoje, um relevo singular. A ABE é, e esperamos todos que venha a ser, a voz da cidadania sobre a educação brasileira. Temos o hábito histórico de considerar a educação como um assunto de Estado, de governos, de estados, de municípios, de entidades privadas – sob essas óticas a educação tem sido pensada no Brasil. Mas, recentemente, quando o povo brasileiro teve acesso à escola – como consequência da industrialização, da urbanização e da mudança do padrão de vida do povo brasileiro verificados nos últimos 40 anos –, a educação passou a ser uma questão cidadã.
Não é uma questão de pedagogos; não é uma questão de políticos; não é uma questão de professores ou de alunos. É uma questão de todos os cidadãos. Nós, cidadãos brasileiros, temos que assumir como os líderes e os senhores de nossa educação. A ABE nasceu assim. Essa instituição foi o prenúncio da cidadania brasileira acerca de sua influência sobre a educação do país. Não era o governo, não era um segmento, não era uma categoria. Era a cidadania reunida para pensar a educação.
As coisas se complicaram ao longo desses 85 anos. O Estado, o particular, o magistério e os diretores introduziram clivagens no pensamento educacional brasileiro que até hoje não sabemos se foram positivas para a educação. Podem ter alavancado interesses específicos, mas não há evidências de que tenham servido à educação como um todo. O sujeito da educação é o povo brasileiro – ele é que se educa. Agora, ele já pode tomar a palavra.
Antevejo para a Associação Brasileira de Educação – fundada em 1924 sob a inspiração de um grupo de brasileiros que pensavam o país além das diferenças de classe, corporações ou quaisquer outras – essa missão: reunir a voz da cidadania brasileira acerca da educação que esta pretende fazer. Não a educação que o governo quer fazer, tampouco a educação que certos segmentos querem realizar. Trata-se, antes de tudo, da educação que resulta de uma cidadania brasileira – diferente, díspare, diversa e diversificada.
O Brasil é continental e temos de ser muito generosos e inclusivos para aceitar essa realidade no âmbito de um projeto nacional, o qual será delineado por um modelo de educação não necessariamente “nacional”, mas aquele que resultará do esforço e da boa-fé dos cidadãos brasileiros, condizente com toda essa complexidade. Temos, nos dias que correm, essa missão importante.
A escola foi conquistada pelo povo brasileiro. Nunca antes, neste país, o povo brasileiro foi tão senhor de sua escola como hoje, porque ele a fez e a procurou. Se a escola não atingiu um patamar de qualidade como consideram os especialistas, se ainda não representa tudo o que desejamos que fosse, trata-se de outro problema. Porém, a ABE pode representar, nesse contexto, a voz da cidadania falando sobre a educação que o povo está fazendo. Essa educação que no passado não era realizada, mas que foi sempre desejada pelos fundadores da ABE.
O que vale é a educação que o povo está efetivamente fazendo, e não aquela que desejam que ele faça. E essa pode ser a grande missão da ABE nos seus próximos 85 anos: a educação inclusiva pela cidadania. Que inclua os diferentes grupos étnicos, os ricos e os pobres, e seja uma genuína expressão da alma brasileira – e sua multiplicidade de cores, crenças, hábitos, costumes e tradições. Desse modo, nossas crianças formarão uma nação forte na medida em que se fizerem diferentes e unidas. A graça não é ser todo mundo igual; a graça é ser todo mundo diferente e unido.
Edgar Flexa Ribeiro
Presidente