Volto à Base Nacional Comum Curricular, mesmo após a mudança ministerial, por acreditar que quem está chegando não vai desprezar o Documento elaborado à época do Ministro anterior, pelo bem da educação básica brasileira. Mesmo que a BNCC apresente lacunas e pouca ênfase em alguns segmentos da escolaridade, não é para ser desprezada. É para ser analisada, receber sugestões e ser aperfeiçoada, pois é extremamente importante para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem e para ser considerada na organização curricular dos cursos de Pedagogia e nas Licenciaturas.
Assim sendo, o artigo de hoje refere-se à Educação Infantil.
Para quem ainda não se debruçou sobre a Resolução CNE/CEB nº05/09 é importante que o faça, pois ela serviu de farol para iluminar o trabalho realizado pela Comissão instituída pelo MEC, para elaborar a BNCC.
O artigo 4º da Resolução nº5 diz que “a criança é um sujeito histórico e de direitos, que brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e sobre a sociedade produzindo cultura.”
Esse potencial aponta “para o direito de as crianças terem acesso a processos de apropriação, de renovação e de articulação de saberes e conhecimentos, como requisito para a formação humana, para a participação social e para a cidadania, desde seu nascimento até seis anos de idade”, quando são atendidas nas creches e pré-escolas. Além de uma correta ação educativa, é preciso que lhes sejam assegurados outros direitos: “proteção, saúde, liberdade, confiança, respeito, dignidade, cultura, artes, brincadeira, convivência e interação com outras crianças.” Em relação ao processo pedagógico, na Educação Infantil, a BNCC chama atenção sobre dois pontos. O primeiro “diz respeito ao modo como as crianças se relacionam com o mundo, os recursos que utilizam para isso, a corporeidade, a linguagem, a emoção. Nessa etapa, as crianças reagem ao mundo guiadas, fortemente, por suas emoções; buscam conhecer diferentes pessoas, adultos e crianças; adquirem maior autonomia para agir nas práticas cotidianas que envolvem alimentação, higiene, na integração do educar e cuidar. As interações e as brincadeiras, em especial as de faz-de-conta, são os principais mediadores das aprendizagens das crianças, e estão presentes nas explorações de objetos e de elementos da natureza, no reconhecimento dos comportamentos dos parceiros, no acompanhamento de uma apresentação musical ou de uma história contada.”
O segundo ponto chama a atenção “para o reconhecimento de que os discursos e as práticas cotidianas vivenciadas nos espaços da Educação Infantil conforma um contexto que atua nos modos como as crianças e os adultos vivem, aprendem e são subjetivados, desde o nascimento, com forte impacto para sua própria imagem e para o modo como se relacionam com os demais.”
O currículo na Educação Infantil “acontece na articulação dos saberes e das experiências das crianças com o conjunto de conhecimentos já sistematizados pela humanidade: os patrimônios cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico.”
Três princípios devem orientar o projeto pedagógico da unidade de Educação Infantil (Res. CNE/CEB 05/09): éticos, políticos, estéticos. Esses princípios “embasam os temas, as metodologias e as relações que constituem o modo de gestão dos grupos/turmas, das unidades e a programação dos espaços da Educação Infantil.
Seis grandes direitos de aprendizagem devem ser garantidos às crianças na Educação Infantil. São eles: “conviver democraticamente, com outras crianças e adultos, interagindo, utilizando diferentes linguagens, ampliando o conhecimento e o respeito em relação à natureza, à cultura, às singularidades e diferenças entre as pessoas; brincar de diversas formas e com diferentes parceiros, interagindo com as culturas infantis, construindo conhecimentos, desenvolvendo sua imaginação, criatividade, capacidades emocionais, motoras, cognitivas e relacionais; participar com protagonismo no planejamento e na realização das atividades recorrentes da vida cotidiana, na escolha das brincadeiras, dos materiais e ambientes, desenvolvendo linguagens e elaborando conhecimentos; explorar movimentos, gestos, sons, palavras, histórias, objetos, elementos da natureza e do ambiente, interagindo com diferentes grupos, ampliando suas palavras e linguagens; comunicar, com diferentes linguagens, opiniões, sentimentos e desejos, pedidos de ajuda, narrativas de experiências, registros de vivências e conhecimentos, ao mesmo tempo em que aprende a compreender o que os outros lhe comunicam; conhecer-se e construir sua identidade pessoal e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento nas diversas interações e brincadeiras vivenciadas.”
Para atender a esses objetivos devem ser criadas experiências de aprendizagem.
A proposta de arranjo curricular apresentada na BNCC para essa etapa da Educação Básica é a de “Campos de Experiência, por ser a forma de organização curricular adequada ao momento de educação da criança até 6 anos, uma vez que os campos potencializam experiências de distintas naturezas, dadas a relevância e a amplitude dos desafios que uma criança até 6 anos enfrenta em seu processo de viver, de compreender o mundo e a si mesma.”
Os Campos de Experiência “incluem determinadas práticas sociais e culturais de uma comunidade e as múltiplas linguagens simbólicas que nelas estão presentes.” São eles: “O Eu, o Outro e o Nós; Corpo, Gesto e Movimento; Escuta, Fala, Pensamento e Imaginação; Traços, Sons, Cores e Imagens; Espaços, Tempos, Quantidades, Relações e Transformações.”
Para cada um desses Centros, a BNCC relacionou seis objetivos de aprendizagem, que considero importante apresentar, o que me leva a continuar no próximo artigo.
Finalizando, quero fazer referência ao parágrafo introdutório do capítulo da BNCC, destinado à Educação Infantil, por ser relativo a uma questão que, ainda hoje, é observada na prática da Educação Infantil, em nosso país: “A Educação Infantil, nas últimas décadas, vem construindo uma nova concepção sobre como educar e como cuidar de crianças de zero a cinco anos, em instituições educacionais. Essa concepção deve romper com dois modos de atendimento fortemente marcados na história da Educação Infantil: o assistencialista, que desconsidera a especificidade educativa das crianças dessa faixa etária, e também, o escolarizante, que se orienta, equivocadamente, por práticas do Ensino Fundamental.” E ao trecho de uma palestra que fiz no dia 10 de setembro de 1984, ao abrir o “Seminário Internacional sobre Atendimento a Crianças de 0 a 6 anos”, promovido pela Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, que dirigi de 1982 a 1985, após ter mencionado a importância não só de atender, mas de educar as crianças, de zero a seis anos, quer nas creches quer nas pré-escolas: “É preciso, portanto, atender e educar a esse ser único que se impõe concretamente pela manifestação física de sua presença, reveladora do afeto, da alegria, da inteligência, da vontade – mas, infelizmente, tantas vezes reveladora do sofrimento, da desesperança, do medo da fome, do desamor. É preciso atendê-la e educá-la com urgência. Com uma urgência maior porque o desatendimento é fruto de nossa negligência histórica e está a exigir uma ação imediata. Não temos mais tempo para esperar. Não temos mais o direito de errar. Precisamos desencadear uma ação que atenda a todos e que combine a qualidade com a quantidade. A qualidade, apenas seria privilégio – e, portanto, injusta e discriminatória; a quantidade, sem a qualidade, é falácia e sonegação de direitos.”
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