ENEM e outros bichos

 

          Os últimos episódios em que se envolveu o MEC podem ter aspectos talvez promissores para os rumos da educação brasileira.

          Desde a chegada de D. João VI mantivemos um hábito do Portugal de então, o de aceitar que só ao Estado e a ninguém mais cabe organizar tudo em matéria de ensino: quem pode aprender, quem pode ensinar, o que se deve ensinar e o que se deve aprender. E o Estado definiria e reconheceria válida a transmissão de conhecimentos, e finalmente a certificaria, uma vez satisfeitos todos os requisitos.

          Isso funcionou até meados dos anos 50. Verdade que o Brasil escolarizado era compartilhado por parte muito pequena da população, e facilmente administrável. Um exemplo: era então possível que, em cada escola do país, do Oiapoque ao Chuí, duas vezes por ano, todos os alunos fossem submetidos a uma avaliação chamada “prova parcial”.

          Essa prova se realizava com a presença física, em cada escola, de um representante do Ministério da Educação, o inspetor federal, que garantia a lisura do processo de transferência do saber de uma geração a outra, e que ele transcorrera conforme definido pelo governo central.

          O Ministério da Educação, do Rio de Janeiro, então capital, autorizava o funcionamento de escolas, fixava currículos, definia disciplinas, cargas horárias e programas a serem cumpridos, certificava professores, dava-lhes “instruções metodológicas” e fiscalizava tudo isso.

          A participação do cidadão – pais, famílias, alunos e mestres – resumia-se a cumprir o necessário, segundo as autoridades.

          O Brasil mudou radicalmente, urbanizou-se, cresceu, ficou maior e mais complexo, mais vário, mais difícil. Mudanças vieram, leis se sucederam, altos propósitos foram bradados, interesses se organizaram.

          Mas uma coisa não mudou: nós – brasileiros comuns, pais e filhos – aceitamos até agora como válido e suficiente em matéria de educação cumprir aquilo que paira no ar, sob beneplácito do Estado, aquilo que sobrenada como necessário, bom e certo para a felicidade e êxito na vida.

          Se tudo leva a crer que o fim máximo que se pode almejar para nossa formação e para a de nossos filhos é o ingresso numa universidade, vamos cuidar de seguir as etapas impostas pelo Estado.

          Se é o colegial, segundo grau ou ensino médio pouco importa, não é conosco: a gente faz. Se é vestibular, se é ENEM, preparamo-nos e a nossos filhos para fazê-lo. Se conseguir vaga em universidade oficial, gratuita, ótimo. Se não conseguir, vai para uma particular e paga – se não tiver dinheiro vai ao Prouni que o governo ajuda a pagar. E se necessário vai no SISU e pega a vaga que sobrar em qualquer lugar.

          É claro que há outras opções. Se não conseguirmos o máximo, podemos até nos contentar com menos, um curso técnico ou coisa semelhante. Mas, de modo geral, abandona-se a escola.

          Já há algum tempo os caminhos “oficiais” começaram a não funcionar muito bem. E muitos de nós tomaram nas mãos as rédeas de seu futuro, e passaram a construir um currículo próprio, buscando cursos aqui e ali, às vezes se preparando para um concurso público.

          Como no caso do transporte urbano, e das vans e peruas, quem queria resolver sua vida não ficou mais esperando o ônibus – ou a escola regular, legal. Pegou uma perua ou uns cursinhos e pronto. Se for necessário um certificado, já com um trabalho em vista, tem jeito para isso.

          Com esses últimos acontecimentos, pode ser que finalmente caia a ficha. A educação de um país como Brasil é tarefa nacional, de todos, é tema nacional, que não pode ficar entregue a educatecas que nos conduzam pelo nariz aonde eles querem que a gente vá. O Brasil finalmente cresceu tanto que superou em muito a competência instalada e as pretensões da máquina oficial – e elas estouraram nas costuras.

          O Inep foi inepto, e o MEC não dá conta do que se propôs a fazer. O MEC ficou definitivamente menor que o país.

          E está mais do que na hora de as lideranças nacionais se darem conta disso: não basta mais saber que o filho se deu bem nos seus exames, elas têm que arregaçar as mangas e tratar competentemente de seus interesses e obrigações para com o país.

          A educação é fundamental para o futuro do Brasil. Talvez agora tenha ficado claro que sua importância é maior do que pensam as autoridades do MEC, e é grande demais para ficar entregue a esse MEC que não dá conta.

 

Edgar Flexa Ribeiro

Presidente