Muito prazer, eu sou o Brasil
O país, já meio exausto, está se apresentando aos educocratas do Ministério da Educação. Eles não se conheciam ainda.
Eles, os educocratas, sempre olharam o país de longe, de binóculo. O Brasil deles é ainda uma nação inerme, indecisa, rural. Um país pequeno, que precisa e pode ser educado conforme um modelo único, central, uniforme e padronizado.
A primeira lei de diretrizes e bases da educação, que descentralizou entre estados e municípios competências antes exercidas pela União, foi sendo consistentemente sabotada e superada.
Pelas beiradas, aos poucos, o ensino foi novamente sendo centralizado. Brasília onipotente e o educocrata rampante voltaram a tentar impor o que todas as crianças e jovens brasileiros tinham que saber.
Em delírios dos governos militares, e na balbúrdia da recuperação de liberdades democráticas, legislou-se desvairadamente sobre ensino. Novas disciplinas – todas obrigatórias! - foram criadas sem que houvesse professores para ensiná-las e escolas que as conhecessem.
O país todo mudava. No ensino trocavam os nomes, mas tudo ficava igual: da formação dos professores aos currículos efetivamente praticados.
Os educocratas, à espreita, aguardavam sua hora. E finalmente surgiu o estratagema para que dominassem o acesso ao saber.
Ergue-se um ícone, um marco, um limite: sob forte propaganda, o ENEM resumiria o que todo brasileiro tem que saber para ser considerado como bem formado.
Mas aí a verdade se afirma, e o que é incontornável ganha. O país é muito, mas muito maior do que pensavam os educocratas.
O edifício que montavam desaba. Não pela visão, pela crítica, pela razão. Apenas por motivos físicos, geográficos, concretos.
Não por afirmação de autonomia por parte das universidades - forçadas, elas renunciaram a isso. Não por consciência das elites políticas, pelo reconhecimento de que união só tem sentido entre diferentes, e não é a uniformização dos díspares. Não pela voz da cidadania, que pouco se importa com o que dizem os educocratas, e vai se educar com ou sem o aval deles.
Mas porque somos muito grandes e diversos. E pretender que seremos submetidos com êxito a uma única prova, em mesmas datas, todo território nacional é negar eloqüentes evidências. Não há teoria estatística que dê conta: provas vazam, confusão e desconfiança se instalam.
Já não somos tão facilmente manipuláveis, nem disponíveis. Somos enormes, diferentes, crescidos e não podemos mais ser submetidos a uma fôrma. Somos complicados demais para marchar em ordem unida.
Nós somos o país real. Muito prazer.