É sabido que a seleção de docentes para a rede de ensino superior federal é regida pela Lei 12.772, que assegura a autonomia da universidade na realização do processo.

Apesar disso, críticas vêm surgindo na mídia, expandindo-se os comentários a outros aspectos da docência e da produção acadêmica dos professores.

O professor Ângelo Segrillo, responsável pela cadeira da História Contemporânea da USP, combate, em artigo de O Globo, a ausência de impessoalidade e transparência nos critérios em que se baseiam muitos daqueles concursos de seleção, fato que compromete a consciência crítica que deve ser exercida pelos acadêmicos. É um patrimonialismo que tolhe as ações do docente enquanto elemento combativo da corrupção.

Já o professor Sérgio Bruno Martins, doutor em História da Arte pela University College London - que também usa o mesmo jornal para expor suas ideias - apesar de concordar com Segrillo no que tange à ausência da impessoalidade aludida, afirma que o problema deve ser analisado num enfoque mais amplo, não podendo ser reduzido a possíveis manifestações de corrupção e a desvios de conduta de grupos isolados. O patrimonialismo declarado é certamente um produto do sistema na forma pela qual se acha estruturado.

Atualmente, enaltece-se o produtivismo pela exigência ao professor de uma produção excessiva, ressaltando-se o objetivismo, isto é, reduzindo-se o qualitativo a termos quantitativos. Vale mais o pesquisador que obtenha mais pontos referentes ao quantitativo de sua produção.

Daí nasce a figura do Homo Lattes, segundo o professor Sérgio, “um produtor de conhecimento determinado por toda uma estrutura que não cessa de lhe dizer: quanto mais melhor”

Inicia-se assim uma luta nos bastidores das instituições, uma verdadeira competição pela apresentação e publicação de um número maior de produtos, sejam eles simples artigos ou teses, sem a profundidade que se espera de uma obra acadêmica.

Afirma Thiago Rocha in Destaques, Ensaios: “Em suma essa paranoia por títulos e números que mecaniza o nosso sistema e faz com que formemos doutores medíocres, da mesma forma que muitas vezes - normalmente por questões ideológicas - como já ouvi vários relatos (de bastidores ou não) que só confirmam essa triste realidade. É isso por exemplo que faz com que Saulo Coelho, Luiz Paulo, Moluh Bastos e Ivan, cada um com o seu motivo particular, se desencantem com a academia. E é também o que faz com que o professor João Batista realize pesquisas sobre essas questões”.

A época em que o título de doutor agregava ao professor prestígio por si só, está passando, porque hoje se exige dele mais alguma coisa: produção em alta escala. É o “publish ou perish”, traduzido entre nós como “publicou ou pereceu”. O Homo Lattes é, pois, o ser humano do Currículo Lattes, onde os docentes expõem toda a sua produção, detalhadamente, numa luta para atender ao desenvolvimento a qualquer custo, luta esta imposta pelo Estado Brasileiro. Como decorrência de tal política, alerta o professor Jorge Eremites de Oliveira - doutor em História/Teologia pela PUC/RS e professor da UFGD - colocam-se outras atividades-fins em segundo plano, como ensino de graduação e extensão universitária.

As críticas continuam, voltando-se sempre para a inutilidade da publicação de enorme quantidade de artigos porque, quando são lidos, se o são é sempre pelas mesmas pessoas e num ambiente limitado, ao invés de ensejarem discussões mais intensas, mesmo no interior do ambiente acadêmico. Só quando há repercussão fora das lides acadêmicas propiciam sentimentos de vitória e de regozijo.

Dialogar e ler textos só de doutores não é o papel próprio dos educadores. A academia deve se democratizar e o pesquisador precisa estar antenado com o mundo exterior para que suas pesquisas atinjam um universo maior.

O problema, de acordo com o professor Thiago Rocha, é que o “quanto” sobrepôs-se demasiadamente ao “quê” e ao “como”. Aparecem os falsos cientistas que publicam muito e mal, não se aceitando o contrário, quem não publica nada ou publica pouco e mal. O importante não é publicar mais e sim publicar melhor, pois, como afirmou um seu leitor, “não faz sentido qualquer tipo de pesquisa se ela não tiver um objetivo, um caráter transformador”.

Tudo isso parece ser um derivado da lógica capitalista. O professor Thiago cita Leon Yanco, que afirma: “Parece muito claro que a produção de conhecimento sucumbiu à forma mercadoria em seus mais variados aspectos: imperativo de produção em série quantitativa, padronização, alienação (neste caso específico, especialíssimo, departamentalização, superficialidade etc.), submissão à lógica abstrata mercantil etc. O fim de tudo isso é que a produção do conhecimento hoje se tornou praticamente contraproducente, já que se pode dizer que se lê muito pouco do que se produz, pervertendo a proposta da publicação científica…”

O domínio do conhecimento, científico, democrático, útil, verdadeiro e universal, é importante ressaltar, é um divisor de águas entre os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento.

 

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