Observando Julia, bela, jovial, segura, ao volante de seu carro, eu procurava entender sua complexa personalidade, já questionada por toda a vizinhança. Dirigia imprimindo ao carro uma velocidade audaciosa que me deixava sobressaltada, mas como, gentilmente, mesmo não tendo comigo muita intimidade, me tivesse oferecido aquela carona para que eu me protegesse da chuva que caía forte, fiquei sem graça de comentar meu mal estar.

De família simples, pelo que se sabia, ela não fora acostumada a ter tudo à mão, a tempo e à hora. Ela e os irmãos trabalhavam desde cedo e pareciam vencedores em suas profissões, ainda que somente iniciadas.

Eu tentava desvendar alguma coisa sobre sua alma, mas a moça era precavida, discreta e quase não falava durante nossa curta viagem. Pelas poucas palavras pronunciadas pude notar nela uma grande ansiedade em realizar bem as tarefas que lhe eram atribuídas em seu serviço e sua ambição de alcançar os mais altos postos na companhia em que atuava como analista da área de Tl.

Gostava do lazer. Pelas amigas soube que costumava frequentar shows e apreciava demais cinema e teatro. E sempre em suas férias, arranjava pequenas viagens para se distrair, o que, ao que se dizia, aborrecia muito a seus pais.

No amor, exagerava. Houve época em que colecionava vários namoricos, concomitantemente, o que dava margens a fofocas na vizinhança. Falando sobre o assunto, esquecia a timidez e mostrava, orgulhosa, a alegria que lhe dava o fato de ser admirada por tantos rapazes.

Profissionalmente, Julia parecia ser dedicada pois sempre trabalhava muito, ocupando cargos importantes nas empresas, o que só aumentava sua vaidade contida.

Percebia-se, então, que a moça apresentava algumas características que se constituíam bons temas para estudo de psicólogos, para seguir a moda atual, pois não estávamos, como seria de se supor, diante de uma moça leviana ou mal comportada. Ela se fez respeitar por todos os candidatos e também pelas pessoas de seu grupo e do entorno. Ao final de alguns anos, conforme relato próprio, fechou este álbum de recordações e escolheu um só "mancebo" ao qual vinha se dedicando seriamente até ali.

Notava-se, porém, em seu semblante, um certo ar de tristeza cuja causa ninguém se encorajava a questionar, muito menos eu que com ela não tinha tanta liberdade, porque ela mostrava-se muito reservada.

Estávamos já chegando ao ponto em que cada uma deveria tomar seu caminho quando, repentinamente, dando-me um verdadeiro susto, ela perguntou-me: "E você, Juliana, sente-se feliz no casamento? Eu estou reunindo dados para compor um livro que estou terminando de escrever, mas tenho obtido quase sempre respostas que não diferem muito da minha: custei tanto a me casar, escolhi a dedo meu marido, mas ele não me faz feliz.”

O carro parou e eu não hesitei em abrir logo a porta sem dar a ela minha resposta.

Mas tive dela, enfim, a confissão que esperava e que vinha explicar muitas facetas de sua personalidade e muitas de suas atitudes de vida.

 

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