Existem de fato duas práticas excelsas que via de regra se complementam ao longo de um processo: refiro-me ao ensino e ao fazer poético. Não penso a priori na poesia dos ângulos retos da geometria, ou no lirismo das equações de segundo grau, ou ainda no bucolismo de uma paisagem dos cursos de geografia, nem mesmo nas inesquecíveis descobertas das aulas práticas dos laboratórios de química ou biologia.
Sim. É claro que há muita beleza em todas estas disciplinas. Onde podemos ler uma poesia tão bela quanto as cores do espectro reveladas por Isaac Newton? Que metáfora pode elidir a compreensão do nascimento da vida sobre a face da terra, como nos apresentou Oparin? Que metonímia é capaz de transmitir a emoção do homem voando sozinho no espaço sideral?
Mas há na história da literatura brasileira um poeta, antes de tudo ser humano, de uma flor da pele, cuja obra perpassa décadas em processo crescente de interesse por parte das sucessivas gerações. A Obra de Carlos Drummond de Andrade está forçosamente incluída nos programas dos cursos de Literatura Brasileira, pelo seu alto teor expressivo e por sua profundidade emotiva universal. Mas, sem sombra de dúvida, os laços que atam o ensino com a Obra deste grande mestre são muito mais profundos que a inclusão na lista de autores a serem estudados para exames.
Todo educador sabe que o ensino é uma atividade que não apenas abrange a transmissão de conhecimentos específicos nas áreas técnicas, humanas e biomédicas, mas, sobretudo, a criação no indivíduo da consciência de seu eu e da sua vida em sociedade. Ainda aqui, a Obra de Drummond é de capital importância não apenas para ser ministrada aos alunos no curso, mas inclusive para os professores, que ali podem beber o sublime como água da mais pura fonte.
Na plenitude de sua juvenilidade quase centenária, abençoada obra divinal, nosso poeta maior permanecia com sua coluna num dos grandes periódicos do Rio de Janeiro, na qual escrevia suas crônicas para um público de todas as idades. Público fiel, que amava o poeta em sua singeleza e simplicidade, e que não deixava passar uma crônica sem capturar as mensagens de amor e esperança no homem. E isso também é pedagogia.
A Pedagogia maior da “lição de coisas” do nosso poeta, plenamente imbuído do “sentimento do mundo”, apto a nos transmitir como ninguém “a vida passada a limpo”. Em seu poema “Especulações em torno da palavra Homem”, ele abre a primeira estrofe assim:
“Mas que coisa é Homem,
Que há sob o nome:
uma geografia?”
E termina o poema de forma contundente, despertando em nós a dúvida angustiante de refletir sobre o nosso mundo e a vida que nos cerca:
“Que milagre é o homem?
Que sonho, que sombra?
Mas existe o homem?”
O ensino, como se sabe, não é uma estrada de mão única. Tanto professores quanto alunos ensinam e aprendem, se harmonizando num processo que tem muito de poético, pois nada mais bonito do que vermos as crianças crescendo e desenvolvendo suas capacidades de raciocínio, de sensibilidade e de iniciativa diante das coisas do mundo. E isto também é poesia.
Portanto, só nos resta enaltecer mais uma vez a Obra deste grande homem que foi Carlos Drummond de Andrade. Homem simples, do povo, como o personagem João Brandão, por ele criado em suas crônicas publicadas no Correio da Manhã, lá pelos idos de 1954 até 1968. Vida longa teve o poeta, lenda eternamente viva, que no auge da sua mocidade nos deixou um legado insubstituível, herança para o presente e para o futuro que emerge do passado recente.
Drummond nos trouxe mais que “uma lição de coisas”. O que ele nos ofertou foi uma derradeira lição. Uma lição de vida.
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