Educação é de fundamental importância. Todo mundo acha isso. Mas Educação, e o que se faz em torno do tema, não é discutido, nem compreendido em toda sua extensão. A impressão que se tem é de que as classes dirigentes brasileiras se preocupam com a educação de seus filhos, e não “politizam” o tema em âmbito mais amplo que a mesa de jantar e saber se o filho teve boa nota.

Mas agora começa a faltar mão-de-obra, e o assunto vem à baila pelo seu ângulo mais pobre. Ou seja, só com vistas a interesses imediatos repara-se na falta que a educação faz a um povo e a um país. Ela é considerada só como instrumental a um projeto de desenvolvimento, e não como um direito do cidadão.

Nem sempre foi assim. A educação e o magistério já tiveram muito prestígio no Brasil – pelo menos tanto quanto o que até hoje é demonstrado por outros países a seu ensino e a seus professores. Era assim enquanto a educação foi privilégio de poucos

Desse prestígio dado à educação decorria uma autoridade de tipo especial: professor era diferente, e desde logo alvo de respeito e consideração por parte de todos: alunos e não alunos, pais e mães de alunos, autoridades, todo mundo.

Ter filho professor, ou filha professora ou mesmo “normalista”, era motivo de orgulho para seus pais, e até para a vizinhança. Ser filho de professor era razão de orgulho para um filho – e tinha peso de argumento de autoridade poder dizer isso.

Quando na década de 30 foram criados os institutos de aposentadorias e pensões, logo nos primórdios da previdência social no Brasil, o magistério foi incluído entre as categorias que iam descontar de seus salários uma contribuição para o instituto dos comerciários. Muitos professores de então ficaram ofendidos por estarem sendo confundidos com outras categorias - vendedores em geral, funcionários de escritório e outros. Daí nasceu o chavão: “a educação não é comércio”... já que, como se frisava na época, “professor não é caixeiro“.

Professores nunca foram muito bem pagos. Jamais, nem no Brasil e nem em outro lugar do mundo, um jovem sensato disse que queria ser professor porque queria ganhar muito dinheiro. Mas no Brasil houve um tempo no qual o que um professor ganhava na profissão era isento de imposto de renda. Podia não ganhar bem, mas na hora do contracheque e do imposto, o país demonstrava seu respeito, por ele e por aquilo que ele fazia.

Na época em que escola era coisa de luxo, só existente nas cidades maiores, e pouca gente tinha acesso a elas, a formação do magistério era esmerada, sua preparação cuidadosa. Ganhavam pouco, mas sua tarefa em sala de aula era facilitada pelo respeito que cercava o professor.

E isso é fundamental. A relação entre professor e aluno em sala de aula só produz os bons efeitos que se espera se estiver, desde logo, claro perante todos – professores, alunos e pais de alunos  –  que professor é para ser respeitado. Isso é das coisas que não se aprende no colégio, não é para ser ensinado, isso tem que já estar claro - a um pai, a uma mãe, a uma criança, a um jovem - quando se entra numa escola.

Mas quando conseguimos ter escolas para abrigar cada vez mais crianças e jovens, no momento em que escola deixou de ser para poucos para ser de muitos - de quase todos - o magistério deixou de ter o apoio daqueles que poderiam e deveriam demonstrá-lo, até para ensinar a todos que professor é para ser respeitado. E vemos hoje professores serem fisicamente agredidos em sala de aula, pais e mães desacatarem autoridades escolares, prédios e instalações escolares serem depredadas por alunos

Quando parcelas da população tiveram acesso à escola pela primeira vez na história, quando crianças de famílias que nunca tiveram essa chance começam a estudar, omitiu-se quem tinha a obrigação de mostrar e ensinar a importância do magistério, linha de frente da educação.

Essa omissão começa pela ausência de demonstrações exemplares de respeito e apreço. Nunca se viu um professor receber uma homenagem pública pelo fato de ser professor. Uma medalha no dia da Independência a uma professora, uma comenda, nada distingue o professor aos olhos do país. Primeira Dama tem medalha da Aeronáutica, motoristas tem a Ordem de Rio Branco, artista e jogadores de futebol são consagrados. Para o professor nada.

Autoridades visitando uma escola, quem vê no jornal ou na televisão? Um ministro, um secretário, um presidente, um governador, um prefeito abraçando uma professora no pátio de uma escola no meio das crianças, quem viu? Um jogador famoso visitando a escola em que estudou, ou artista abraçando sua velha professora quem viu?

Em vez de comemorar o fato de que alguns milhões de crianças hoje na escola estavam condenadas faz muito pouco tempo a ficar fora das salas de aula, as autoridades são as primeiras a falar mal da escola que temos e dos professores que nelas ensinam, sem oferecer alternativa– e é assim esses alunos e seus pais as vêem escolas.

E na verdade as escolas não são boas como deveriam – elas são apenas o que podem ser, cercadas de críticas e desconsideração pública e ostensiva, e apenas idealizadas nos discursos em diferentes graus de irrealismo ligeiramente hipócrita e falso, e descritas como deveriam ser ou como seria bom se fossem.

Não se quer dizer que não podem melhorar. Podem e muito. Mas para que e com quem? Só pelo salário que ganham os professores, para ainda serem desrespeitados, desconsiderados e eventualmente agredidos?

Se as escolas são tão ruins como dizem, e só mentecaptos acham que, em sendo assim melhor seria não existirem, que alternativa tem o país? Se a escola é ruim, e o professor também, há outros professores e outras escolas a que possamos recorrer?

Nas comparações internacionais, as estatísticas dizem que a Coréia é o máximo em matéria de educação, mas a escassez de coreanos no Brasil é espantosa.  E as estatísticas desconsideram o fato de que as Coréias todas, a do Norte e a do Sul juntas, cabem inteiras dentro de muitos estados brasileiros.

O fato é que o país está optando por um discurso de descrédito e desprestígio acerca  da educação que está oferecendo a seu povo, e suas lideranças não têm suficiente visão – ou coragem, ou interesse - para sair dessa armadilha depressiva que não conduz a nada de bom.

Afinal ninguém melhora o que não respeita, e ninguém melhora nada sem ter consideração para com o que se conseguiu, por mais longe que esteja do ponto a que se deseja chegar. Não se inventa país novo, com povo novo e professores e escolas novas do dia para a noite. Isso, e aí sim a Coréia pode ser exemplo, é obra de povos orgulhosos do que tem, esperança no futuro que podem construir e determinação para tarefas que ultrapassam gerações.

Não se está pretendendo julgar, ainda menos condenar, apenas constatar: no professor está o começo de todo processo de melhoria e de progresso para a educação. Cabe identificá-lo como elemento chave nesse projeto - se for mesmo um propósito nacional - e louvar, encorajar, promover e estimular esses que carregam nos ombros o sucesso de uma empreitada nacional – se é que queremos mesmo oferecer educação de qualidade a todos.

Outra hipótese possível é que esse desprestígio todo seja proposital. E esteja a serviço de algum outro vago projeto, mesmo quase inconsciente, que proponha desconstrução do que se considera ruim para conduzir, por exemplo, a uma regulação nacional para o ensino. Assim todo mundo estudaria a mesma coisa, saberia a mesma coisa e todos, medidos pelo mesmo critério e desestimulados de ensinar ou aprender coisas diferentes, acabaríamos sabendo e pensando  a mesma coisa. Os grandes fabricantes de apostilas, por exemplo, iam adorar... 

 

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