Acabo de chegar de uma curta viagem ao exterior. Esperavam-me, além dos braços abertos da família e dos amigos, jornais e revistas que li, avidamente, para ficar ciente do que acontecera no meu país.
Esperavam-me, também, flores, cartões, telegramas e uma relação com os nomes dos muitos amigos que telefonaram para abraçar-me por mais um aniversário.
A par da alegria que essas manifestações de amizade me proporcionaram, parei para refletir sobre minha trajetória de vida e para fazer um exercício de autoavaliação debruçando-me na varanda do tempo, o que permitiu olhar o longo caminho percorrido até aqui. Quero dividir com os ABEANOS os pensamentos e os sentimentos que me invadiram.
Os humanos têm um ciclo de vida inexorável: nascem, crescem, florescem, frutificam, amadurecem, murcham e fenecem. São fases de um ciclo que corresponde à infância, à adolescência, à juventude, à maturidade, à velhice, à morte.
Diferentemente dos vegetais que têm a oportunidade de desabrochar para um novo ciclo, depois que o outono fez cair as folhas amarelecidas, deixando as árvores nuas, com os galhos despidos erguidos para o alto, como a rogar uma nova oportunidade de se engalanar com novas folhas, flores e frutos, os homens não têm essa faculdade. Não têm o privilégio de resgatar a infância, a juventude, a mocidade, seu viço, suas esperanças, seus sonhos, desabrochando novamente em folhas, flores e frutos, renascendo para um novo ciclo de vida.
Quando somos crianças, adolescentes e jovens não pensamos nas etapas seguintes do ciclo de nossas vidas. Diante de nós há uma larga e longa estrada a percorrer. Queremos viver o hoje, o agora.
Vivemos alegremente a infância, embora nem todos tenham este privilégio, uma vez que as desigualdades da vida geram infâncias tristes, sem perspectivas.
Vem depois a adolescência. Época do início da floração, cobrindo o ser humano de viço, anunciando o desabrochar da vida. Sonhos, desejos, planos, energia estuante, vida.
Época de crenças, de esperanças, do desejo de crescer logo para participar mais intensamente do banquete da vida. Os medos ainda não se fizeram presentes, as responsabilidades ainda não pesam sobre os ombros. É a época de receber muito e dar pouco.
É evidente que nem todos os humanos atravessam a adolescência com igual sensação. Para muitos, por força mais uma vez das desigualdades e desígnios da vida, a adolescência chega e passa sem sorrisos, sem deixar boas lembranças.
Chega a juventude, desabrochando em flores, enchendo de encanto, de graça, de frescor a caminhada dos humanos. É o tempo em que começa a doação. Tempo de intensificação dos mais puros sentimentos – a amizade e amor. Tempo em que se descobre a importância de construir, de participar, de ser útil. Em que se começa a dar mais valor à liberdade, à independência. Tempo em que avulta a consciência da importância da família – a que nos guia até então e aquela que pretendemos construir. Tempo em que os tristes e preocupantes pensamentos raramente duram muito. A finitude da vida ainda não é uma realidade, parece um ponto distante. Na juventude é canto, encanto. É dádiva, é materialização da alegria.
Logo depois do florescer, chegam os frutos. Os frutos do trabalho que realizamos. Os filhos, que são o prolongamento e a razão de nossas vidas. Aumentam as responsabilidades, os encargos, mas ainda se é muito jovem e estamos plenos de energia para viver, corajosamente, os novos encargos. Tempo em que, tal como as árvores, ampliamos as copas para abrigar muitos, tantos quantos precisarem de nossa sombra, de nosso conforto, de nosso abrigo.
Chega, então, a maturidade, encontrando ainda os corpos jovens, sadios, plenos de dádivas; os olhos mais cheios de brilho e luz; os corações mais compreensivos, com mais capacidade de entender, de atender, de perdoar, de amar; a inteligência mais aguçada e enriquecida pelas experiências vividas e acumuladas.
Amplia-se o poder de doação. Começa a etapa em que esquecemos um pouco de nós para pensar e fazer tudo para e pelos outros. É a fase plena do ciclo vital dos humanos, em que muitos sonhos transformaram-se em realidade, em que se está mais preparado para viver a vida, porque já se começa a conviver com a consciência de sua finitude, dando por isso maior valor às coisas substantivas em detrimento das adjetivas.
Em relação à vida produtiva, é o clímax da realização. É a etapa em que se tem convicção de ter dado o melhor de nós em benefício de todos, a comunidade, a sociedade, o Estado.
Ajudamos e continuamos ajudando com nosso trabalho e participação a construção e o desenvolvimento do país. Ajudamos milhares de pessoas a se firmarem na vida, ajudamo-las a construírem sua escala de valores, a seguir seu caminho com passos firmes. Vemos nossos filhos e os jovens que por nós passaram a alcançarem vôo com as asas que ajudamos a crescer e a se fazerem fortes.
Penso que a maturidade é a etapa mais plena de nosso ciclo de vida. Crescemos, florescemos, frutificamos e amadurecemos, acumulando perdas e ganhos, as lições aprendidas no exercício de viver. Sublimamos perdas, vivemos intensamente as emoções, tropeçamos, erguemo-nos, vivemos.
Ainda na maturidade, plenos de vigor, de coragem não nos apercebemos que o ciclo vital está-se fechando. Que a próxima etapa é a velhice, para a qual, até então, não tínhamos dedicado muita atenção. E ela chega. O corpo começa a murchar, as rugas começam a mapear geograficamente nossos rostos. Os olhos já não tem o mesmo brilho. Então, nos damos conta de que o tempo passou e não tem volta.
As forças físicas começam a declinar e as emocionais tornam-se mais frágeis. Torna-se menor a resistência aos embates da vida, pois gastamos nas fases anteriores, alma, coragem, otimismo, esperança. Os dedos de nossas mãos são poucos para contabilizar as perdas afetivas. A solidão passa a ser uma companheira mais constante. O passado é evocado com mais frequência, fazendo reviver cenas, sorrisos, boas lembranças, frases de amor ditas e ouvidas, trazendo lágrimas e saudades.
Começamos, então, a fazer autoavaliação, a nos perguntar o que fizemos da vida que nos foi dado viver.
Exercitamos intensamente um dos mais nobres sentimentos, que é a amizade, e que permite, se a cultivamos diuturnamente, não nos sentirmos tão sós na velhice?
Amamos e fomos amados com um amor que desafiou o tempo, a distância e até a morte?
Tivemos os cuidados com a saúde que nos permitirão viver a velhice com saúde física e mental, de modo que nos sintamos úteis, ativos, lúcidos?
Entendemos o trabalho como uma tarefa nobre, importante, construtiva, de modo a permitir que na velhice, possamos ainda exercê-lo, dando-nos a sensação de utilidade, independência, participação?
Aprendemos a amar, cada dia mais intensamente a vida, mesmo com os disvalores, as frustrações, entendendo-a como uma aventura fascinante, decisiva, instigante?
Cultivamos o amor pela leitura, pelo registro do que pensamos e sentimos, pela música, enfim, por todas as manifestações da arte, para que elas possam continuar a preencher os tempos vagos da velhice, encantando-nos?
Aprendemos a entender os jovens, a gostar de sua companhia, a ter com eles um diálogo não só de repasse de experiência, mas, sobretudo, de cumplicidade?
Continuamos a nos deslumbrar com o firmamento pontilhado de estrelas, iluminado pelo luar?
Vibramos com o mesmo encanto diante de aurora que anuncia a manhã e o cair da tarde que prenuncia a noite?
Maravilhamo-nos, ainda, com a beleza e o perfume das flores que, às vezes, como as rosas duram apenas o esforço de uma manhã, mas que nos fazem reviver momentos e pessoas?
Conscientizamo-nos de que o conhecimento e a aprendizagem são nossos companheiros até o final e, por isto, procuramos nos manter atualizados, para sermos homens e mulheres do nosso tempo?
Se soubermos viver, intensamente, todas as etapas de nossas vidas, teremos uma velhice digna, útil, produtiva. Poderemos vivê-la cercada pelo amor e pelo respeito da família e dos amigos, com a consciência tranquila por termos feito o bem, por termos cumprido com nosso dever como pessoa e cidadão, por termos conseguido manter a fé, a crença e a coragem, por termos combatido o bom combate, por termos sabido viver.
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