Atualmente tenho participado, junto com um grupo de especialistas, de um consorcio (PROENGE) que está discutindo o futuro (e presente) da formação de engenheiros no Brasil. A premissa básica é que precisamos de mais engenheiros no Brasil, obviamente engenheiros atualizados e de qualidade.
Nossos números deixam muito a desejar comparados com vários países: Os EUA e o Japão têm 25 engenheiros para cada mil trabalhadores e a França, 15 por mil. A China forma cerca de 300 mil engenheiros ao ano e tem 6,7 milhões de estudantes de engenharia; a Índia, 200 mil e a Coreia do Sul, 200 mil, ou seja, nesse último caso, quatro vezes mais que o Brasil que forma 50.000 alunos/ano e tem 9 engenheiros para cada mil trabalhadores.
Ok. Então vamos acelerar! Mas, em que direção? Formando engenheiros nas mesmas especialidades, ferramentas e metodologias dos últimos anos? E as mudanças que as tecnologias estão provocando no mundo e consequentemente em quem faz essas mudanças virarem, tecnicamente, realidade (os engenheiros!).
Talvez, para iniciar, devíamos ajustar o título para Tecnologias de Informação, Comunicação e Operação (TICO?), já que a tecnologia não apenas informa e comunica, mas também opera e executa, e aí estão os drones, impressoras 3d, robôs, IoT, veículos autônomos e similares para provar!
Um aluno que vai entrar na faculdade de engenharia em 2026, vai sair formado depois de 2030! Que mundo será esse? As mudanças estão ocorrendo a cada minuto e todo o movimento da Inteligência Artificial (IA), está aí para provar, com pelo menos uma novidade por semana.
Vamos então analisar as tecnologias, e, em seguida, a melhor forma como os engenheiros poderiam ser habilitados para atuar nesse futuro bem próximo.
As principais tecnologias que devem impactar (e já impactam) o mercado de engenharia no mundo nos próximos anos, com base em tendências atuais e projeções, incluem inteligência artificial (IA), automação e robótica, manufatura aditiva (impressão 3D), internet das coisas (IoT), computação em nuvem, blockchain, realidade aumentada/virtual (AR/VR) e tecnologias sustentáveis, como energia renovável e materiais avançados. Segue uma análise dessas tecnologias e seus reflexos nas universidades:
- Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning
A IA está transformando a engenharia em áreas como projeto otimizado (design generativo), manutenção preditiva, análise de dados em tempo real e automação de processos complexos. Cursos de IA, aprendizado de máquina e ciência de dados estão sendo integrados em todas as engenharias, não apenas em computação. Disciplinas como “IA para Engenharia” ou “Análise de Dados em Projetos” estão surgindo. Estudantes precisam aprender programação e ferramentas de IA, além de ética e segurança em IA.
- Automação e Robótica
A automação está revolucionando a manufatura, construção e logística. Robôs colaborativos (cobots) e drones são usados em linhas de produção, inspeções e canteiros de obra, aumentando eficiência e segurança. Cursos de robótica, mecatrônica e automação industrial estão sendo expandidos. Há ênfase em controle de sistemas e integração humano-máquina. Engenheiros precisam combinar conhecimentos de mecânica, eletrônica e software, incentivando formações interdisciplinares.
- Manufatura Aditiva (Impressão 3D)
A impressão 3D permite prototipagem rápida, personalização em massa e redução de desperdícios. Setores como aeroespacial, automotivo, construção e biomédico (próteses) já adotam amplamente. Disciplinas sobre design para manufatura aditiva e materiais avançados estão sendo incorporadas. Estudantes são incentivados a desenvolver projetos reais, como peças otimizadas ou protótipos funcionais.
- Internet das Coisas (IoT)
IoT conecta dispositivos em redes inteligentes, impactando áreas como cidades inteligentes, gestão de energia e monitoramento de infraestrutura. Sensores IoT monitoram pontes, turbinas e fábricas em tempo real. Cursos de redes, sensores e sistemas embarcados estão mais presentes. Tópicos como cibersegurança para IoT também ganham destaque. Programas combinam engenharia elétrica, da computação e civil para projetos de IoT.
- Computação em Nuvem e Big Data
A computação em nuvem permite o armazenamento e processamento de grandes volumes de dados, essenciais para simulações complexas, como modelagem climática ou testes virtuais de produtos. Disciplinas sobre computação em nuvem e big data estão sendo integradas, especialmente em engenharia da computação e mecânica. A computação quântica está chegando.
- Blockchain
Blockchain é usado para gerenciar cadeias de suprimento, contratos inteligentes e rastreabilidade em projetos de engenharia. Cursos sobre blockchain devem aparecer em engenharia de software e gestão de projetos. Estudantes podem aprender sobre criptografia e contratos inteligentes.
- Realidade Aumentada e Virtual (RA/RV)
RA/RV são usadas para treinamentos, simulações de projetos e manutenção remota. Na construção, por exemplo, permite visualizar modelos BIM (Building Information Modeling) em 3D e Digital twins para simular ambientes reais. Disciplinas sobre RV e RA são incluídas em engenharia civil, mecânica, ambiental, produção e outras.
- Tecnologias Sustentáveis e para sustentabilidade (Energia Renovável, Materiais Avançados, Água, Clima, Florestas…)
A demanda por energias renováveis (solar, eólica, hidrogênio) e materiais sustentáveis (bioplásticos, compósitos recicláveis) cresce com a pressão por descarbonização. Cursos de engenharia cobrindo energia renovável, agronegócio, materiais sustentáveis e economia circular e descarbonização estão em alta. Programas acadêmicos alinham-se a metas de sustentabilidade, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Vários reflexos nas Universidades já aparecem provocados por essas mudanças: As tecnologias exigem integração entre disciplinas (mecânica com IA, civil com IoT, agronômica com drones…) provocando programas híbridos e cursos de dupla titulação; Maior ênfase em laboratórios, projetos práticos e parcerias com indústrias para preparar estudantes para o mercado; Oferta de cursos de curta duração e certificações para profissionais se atualizarem em tecnologias emergentes; Cursos de segurança cibernética integrados para proteger sistemas IoT, IA e blockchain; Maior foco em formar engenheiros conscientes dos impactos éticos e ambientais de suas soluções; Habilidades como trabalho em equipe, pensamento crítico e comunicação (softskills) são enfatizadas, focando a colaboração em projetos complexos.
Essas tecnologias e seus reflexos estão remodelando o mercado de engenharia, exigindo que as universidades adaptem currículos, invistam em infraestrutura e promovam uma formação mais prática e interdisciplinar. As instituições devem alinhar seus programas às demandas do mercado e às inovações tecnológicas formando profissionais mais preparados para os desafios atuais e futuros.
E qual é o impacto no processo de formação desses engenheiros? Existe alguma disciplina que pode ser aprendida online? Com metodologias modernas de aprendizagem? A EaD deve ser banida completamente?
EaD não é vídeo aula! A pandemia popularizou a EaD, mas não incorporou todas as metodologias e tecnologias educacionais que já existiam e que foram aperfeiçoadas nos últimos anos com os avanços das TICs.
Aprendizagem anytime, anyplace, micro learning, mastery learning, adaptive learning, ritmo próprio, personalizado, peer correction, flipped classroom, heutagogia, problem-based learning (PBL), project-based learning (PjBL), Gamificação e outras, são formas já existentes e testadas.
Adicionando Agentes de inteligência artificial (IA), realidade virtual (RV), realidade aumentada (RA), gêmeos digitais, geração de conteúdos e correção por IA, e seguindo por aí, vai tornando a educação mais personalizada, interativa, agradável e eficaz.
As 8 tecnologias citadas anteriormente e que estão impactando o mercado de engenharia, podem e, em muitos casos, devem, ser aprendidas tanto por meio de tecnologias aplicadas à distância quanto em cursos presenciais, dependendo do contexto, objetivos e recursos disponíveis.
Com a desejada interação com empresas e Universidades Corporativas, o uso de tecnologias para aprendizagem ficam ainda mais evidentes.
– Vantagens para o aprendizado mediado por tecnologias:
– Acessibilidade: Cursos online permitem que estudantes de diferentes regiões acessem conteúdos de ponta de qualquer local (anyplace) e também de várias origens, sem necessidade de deslocamento.
– Flexibilidade: Estudantes e profissionais podem aprender no próprio ritmo, e em qualquer horário (anytime), conciliando com trabalho ou outras responsabilidades.
– Ferramentas Digitais: Muitas tecnologias (ex.: programação para IA, uso de plataformas de nuvem, ou design para impressão 3D) podem ser aprendidas em ambientes virtuais, usando simuladores e laboratórios virtuais.
– Atualização e atendimento rápido e personalizado: Cursos online são frequentemente atualizados para refletir as últimas tendências e podem ser adaptados (adaptive learning), formatados (vídeo, áudio, gráficos, animação) e apoiados (tutores IA) conforme o estilo e nível do aluno.
– Eficácia e qualidade: Métodos testados como PBL, PjBL, Flipped Classroom e gêmeos digitais certamente produzem resultados melhores que aulas expositivas. Não devemos ignorar que essa pode ser uma boa solução para recuperação e reforço escolar para os alunos sem uma boa base em Matemática e Ciências.
– Custo: Geralmente, cursos à distância são mais acessíveis, com opções gratuitas ou de baixo custo.
– Desafios: Falta de Prática Hands-On: Algumas áreas, como robótica, drones ou impressão 3d, requerem acesso a equipamentos físicos que nem sempre são viáveis em casa ou em polos; Interação Limitada: A ausência de contato presencial dificulta a colaboração em projetos complexos ou a resolução de dúvidas em tempo real; Autodisciplina: O aprendizado à distância exige maior motivação e organização.
Em resumo, as condições ideais para o aprendizado mediado por tecnologia ocorrem para aquelas tecnologias baseadas em software, como IA, machine learning, computação em nuvem e blockchain, onde a prática pode ser feita em computadores pessoais, para profissionais que buscam atualização contínua ou certificações rápidas, e para estudantes em locais remotos ou com recursos financeiros limitados.
– Vantagens para o aprendizado presencial:
– Acesso a Infraestrutura: Cursos presenciais oferecem laboratórios equipados com robôs, impressoras 3D, drones, sensores IoT e ferramentas de AR/VR, essenciais para tecnologias como automação, manufatura aditiva e realidade aumentada.
– Interação e Colaboração: Projetos em grupo, comuns em engenharia, são mais eficazes presencialmente, especialmente para simulações práticas ou prototipagem.
– Orientação Direta: Professores e técnicos oferecem suporte imediato, corrigindo erros em tempo real, como na configuração de sistemas embarcados ou no uso de equipamentos complexos.
– Networking: O ambiente presencial facilita conexões com colegas, professores e indústrias, importantes para estágios e parcerias em pesquisa.
– Desafios: Custo e Acesso: Cursos presenciais são mais caros e podem ser inacessíveis para estudantes de regiões distantes ou com menos recursos; Rigidez de Horários: Menos flexível para profissionais ou estudantes com outras responsabilidades; Atualização do Currículo: Pode ser mais demorado e difícil para incorporar tecnologias emergentes em comparação com plataformas online.
– Resumindo, o presencial se impõe para tecnologias que exigem equipamentos físicos, como robótica, manufatura aditiva ou testes de materiais sustentáveis, para disciplinas que demandam colaboração intensa ou projetos práticos complexos e laboratórios físicos.
Conectando os dois modelos, vemos que o Futuro do Ensino de Engenharia tende naturalmente ao modelo híbrido, já que tecnologias baseadas em software (IA, computação em nuvem, blockchain) são bem adaptadas ao ensino online, enquanto aquelas que requerem equipamentos físicos (robótica, manufatura aditiva, energia renovável) demandam componentes presenciais. Polos equipados e provas presenciais dinâmicas usando computadores certamente vão ajudar.
Esse modelo combina flexibilidade, acessibilidade e prática hands-on, alinhando-se às necessidades do mercado e às expectativas dos estudantes.
Para encerrar, uma ferramenta utilíssima para qualquer disciplina e qualquer metodologia é a gamificação. Quando integrados às tecnologias como inteligência artificial, análise de dados e metodologias centradas no aluno, os jogos tornam-se poderosos instrumentos para a hiperpersonalização da jornada de aprendizagem, tanto na forma (como o aluno aprende) quanto no conteúdo (o que o aluno aprende).
A formação de profissionais de Engenharia atualizados para um mundo em rápida transformação exige novos conteúdos e modelos educacionais. A combinação entre tecnologias de informação e comunicação (e operação), metodologias inovadoras e personalização do aprendizado oferece caminhos promissores para formar profissionais mais preparados, humanos, criativos e resilientes.
Escrito por Paulo Milet(*) Paulo Milet é empresário, consultor das áreas de gestão, qualidade, TIC e 30 anos em educação a distância, Diretor da Riosoft e sócio fundador da Eschola.com. Formado em Matemática UnB com pós em Adm. Pública na FGV RJ.
(**) Texto construído casando experiências pessoais com exemplos da IA
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